Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam - Catita illustrations

Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam

Neste texto tão generoso e honesto, Isabel Cunha, fotógrafa,  partilha sua jornada de superação de um relacionamento tóxico e desafiador. Ela destaca a importância do apoio de outras mulheres e encoraja as leitoras a acreditarem em si mesmas, valorizarem-se e buscar a felicidade, mesmo após experiências difíceis. Existe sempre luz depois da escuridão, tal como o dia nasce sempre após a noite.
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Demorei muito.

Demorei muito tempo a escrever este texto.

Agarrei no lápis e no papel, vezes sem conta. Apontei ideias, palavras soltas, fiz listas. Respirei fundo, viajei, vi novas paisagens, dei beijos e guardei muitas vezes tudo na gaveta. Nada me saía com a fluidez e naturalidade que eu queria. Mas eu queria escrever sobre isto e isto, eu tinha a certeza.

Hoje, num dia de anunciada tempestade, quando o vento baralha as ideias e a chuva limpa os pensamentos, abri a gaveta e tirei as notas escritas e as ideias. Peguei no lápis e na folha de papel e comecei a escrever.

“Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam” - José Saramago

Encontro-me muitas vezes com outras mulheres, para simplesmente estarmos juntas e conversarmos. Acho que este é um ritual que faz parte do nosso ADN.

BLOG ISABEL CUNHA - AMIZADE

Esta necessidade quase vital e maravilhosa de nos juntarmos e de partilharmos momentos, experiências, sentimentos, sonhos, infelicidades e felicidades, exaustões, ideias novas, amarguras, projectos, lágrimas e gargalhadas.

Talvez este ritual, de nos juntarmos, de nos cuidarmos e nutrirmos umas às outras, num lugar seguro e de certa forma sagrado, seja uma necessidade herdada, da pesada história de desprivilegio e de muitas vezes incompreensão, que todas nós mulheres, carregamos de certa forma em nós.

Nestas muitas conversas de mulheres para mulheres, tenho ao longo do tempo e com cada vez mais frequência, ouvido a partilha de um sentimento - descontentamento. O descontentamento com as relações amorosas. Um descontentamento e desencanto, ligado à falta de companheirismo, respeito, ajuda, carinho, admiração, paixão e atrevo-me a dizer, amor.

Não sei de quem é a culpa, nem sei se importa descobrir, mas a verdade é que vejo cada vez mais mulheres cheias de valor, planos, ideias, sonhos e ambições, a serem maltratadas, ou melhor, a não serem tratadas pelos homens, com quem decidiram um dia partilhar a vida.

BLOG ISABEL CUNHA - SUPERACAO

São mulheres que vivem relações, que em nada são relações. São, sim, situações altamente tóxicas, com um nível de qualidade assustador, que ameaçam a saúde mental e física e que acima de tudo põem em causa e em risco, o nosso maior património, nós próprias.

São situações, muitas vezes silenciosas e perigosas, que têm o poder de lentamente e em doses muito suaves, nos tirar a vida e pior ainda, de nos tirar o nosso poder, força e brilho.

Eu já estive numa dessas situações, uma situação tóxica, que durou vários anos. Eu também, já fui uma das mulheres, sentada numa mesa de um café bonito, que rodeada de amigas, chorei, falei do meu amor por outra pessoa, reclamei o meu descontentamento e até soltei algumas gargalhadas, mascaradas de profunda desilusão, pela situação triste em que estava.

Foram muitos anos a tentar, a acreditar e a depositar todas as minhas forças para que a relação resultasse. Foram ainda mais anos, a acreditar em mais e melhor, com aquela pessoa, sem nunca acontecer. Sim, eu também já fui a mulher que tocou no limite da sua força, que se sentia culpada por tudo e por nada, que chorou todas as lágrimas que tinha, que começou pela primeira vez a sentir ansiedade e a sentir uma raiva no peito, com a qual não sabia lidar. Também fui a mulher que sentiu que não conseguia mais, mas também não conseguia sair daquele lugar. Fui a mulher cuja cabeça, era um amontoado de problemas sem solução e de sonhos prestes a ruir. E no silêncio do meu quarto, eu era a mulher, que sabia que aquela, não era a forma de relação em que eu acreditava, mas que ao mesmo tempo exausta, pensava que não ia saber viver sem aquela pessoa, que já não ia saber viver sem...

Eu! Logo eu! Femininista convicta, defensora acérrima da igualdade, do amor verdadeiro e da felicidade sem limites.

Sim, também eu, estava ali, naquele lugar escuro e sem luz à vista.

ISABEL CUNHA - TRISTEZA

Mas um dia, com a ajuda de muitos e de muitas (a quem sou eternamente grata), fui buscar não sei onde, nem como, os restos de mulher forte e ousada que sempre fui, e disse chega! Disse chega a uma situação que era má para mim e também para ele.

Sai de casa.

Na altura, muitos disseram que eu era muito corajosa, em ter colocado um ponto final numa relação tão longa, mas naquele momento, a coragem era um sentimento que eu não conseguia vestir.

Não foi fácil.

Foi a fase mais difícil da minha vida.

Ninguém acaba bem, quando acaba com tanto envolvido e acima de tudo a amar tanto. Sentia falta de tudo.

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Podem seguir o trabalho da Isabel aqui.

Do cheiro, de dormir junto, da casa perto do mar... Da voz, da rotina, da vida... Sentia também, muitas saudades minhas. Sentia falta da pessoa que eu era antes. E questionei-me muitas vezes, porque é que eu tinha de passar por aquele sofrimento tão grande.

Mas a verdade é que mais cedo ou mais tarde, tudo acaba por fazer sentido e tudo acontece por um motivo válido.

ISABEL CUNHA - VIDA NOVA

E no meio da tempestade, aos poucos, eu consegui começar a libertar o que era pesado e me fazia doer, e comecei a ser capaz de dançar e rir outra vez e um dia, chamei a Senhora Tempestade, e apresentei-lhe o céu azul, o sol quente e amarelo brilhante e a brisa do mar.

Por isso, é deste lugar de confiança, coragem, serenidade, empatia e felicidade, que hoje escrevo este texto, para as mulheres que estão em situações e não em relações.

Arrisquem!

Procurem bem lá no fundo, o vosso lado mais ousado, acreditem em vocês e nos vossos sonhos e desejos. Sejam boas para vocês mesmas e acreditem que merecem mais, muito, mas mesmo muito mais.

Ponham tudo em causa. Dêem oportunidade de a vida entrar dentro de vocês e fiquem a observar como ela vos pode surpreender. Peçam ajuda, falem e vomitem horas a fio, a vossa dor e problemas, com quem só vos quer ouvir e dar colo.

Caminhem até vos doer as pernas, voltem a fazer o que gostam e coloquem-se no centro da vossas vidas.

ISABEL CUNHA - PROSSEGUIR

Pensem que na vida há sempre uma solução e que nós temos uma mente criativa e dinâmica que nos permite adaptar, mudar, gerar.

Não se contentem com o pouco, com o que vos deixa infelizes, com o que não vos valoriza. O amor não tem de ser pesado, sofrido e complicado. Acreditem que as tempestades não duram para sempre e que cada um de nós tem um poder único e especial - o poder de fazermos o que queremos com a nossa vida. E com calma, o tempo vai passando, as tempestades vêm e vão, o sol brilha, o mar agita-se e a vida acontece.

E nós?

Nós caminhamos... Sozinhas ou com alguém que nos dá a mão, que pergunta se estamos bem, que nos convida para dançar sem motivo numa terça-feira qualquer e nos faz sorrir e suspirar.    

ISABEL CUNHA - APOIO

Caminhamos.

Mas felizes.

Obrigada à minha família e a todas as mulheres que me ouviram, me deram colo e me encheram de coragem.

Graças a estes voltei a ser eu.

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Podem seguir o trabalho da Isabel aqui.

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